Nas madrugadas mais custosas, perambulo pela casa com a alma em vigília. Da janela, um vento gélido teima em alardear que os tempos são outros. A cama é outra, as ruas são outras, as canções mudaram e do júbilo de outrora só restou essa ausência de mim mesma, esse gosto dilacerado na boca ao fim de cada xícara de café. Ausência de mim mesma, do que eu era quando éramos - primeira pessoal do plural. De quando a vida chegou a ser um acontecimento feliz. De como eu era sujeito de meus próprios verbos, protagonista da mais bela história de afeto jamais dantes escrita. As lágrimas estancaram. "O tempo passou", brado a mim mesma, "como ousas olhar pra trás?". O espelho me diz o que devo fazer com você: empalhar e pôr na galeria das boas lembranças, junto com todos os outros. Ele só não consegue me dizer o que devo fazer comigo quando sinto saudades de quem eu era quando vivíamos a mesma fábula. Eu e meu semblante risonho, eu e minhas palavras otimistas, eu e minha docilidade expostas, eu e aquela que nunca fui, A feliz. Eu, que esquecia de ficar triste, que acreditava ser bela, que supunha ser plena. Eu tenho saudades de mim e do passado que já não me cabe mais.
[M.V.]
[M.V.]